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Cortejo Histórico e Etnográfico regressa com “Força de Viver”

Dia 17 de agosto é Dia do Campino e do regresso à rua do Cortejo Histórico e Etnográfico de Coruche, que tradicionalmente se realiza durante as Festas em Honra de Nossa Senhora do Castelo. Este ano dedicado ao tema “A Riqueza da Nossa Terra – Força de Viver”, o cortejo exalta com rigor documental e histórico as virtudes do Concelho e a resiliência das suas gentes, reconstruindo memórias de lugares, pessoas, artes e ofícios com o profundo envolvimento das populações das freguesias, das associações locais e de incontáveis voluntários que asseguram representações fieis de tradições e costumes coruchenses. Da gastronomia à tauromaquia; do esplendor da lezíria às produções agrícolas; da devoção a Nossa Senhora do Castelo ao enlevo do rio Sorraia, este ano o cortejo pretende sobretudo reforçar a identidade e o orgulho do saber-fazer coruchense, transmitido de geração em geração, em múltiplas atividades do quotidiano e da economia local, em particular no que respeita à tiragem da cortiça enquanto património cultural imaterial de Portugal. Em 2022, o cortejo, que se assume como um grande acontecimento de união e resistência da comunidade, promete ser verdadeiramente memorável.

Cerca de mil participantes provenientes de todas as freguesias e associações do Concelho contribuem para retratar e mostrar costumes, usos e tradições das suas terras e das suas gentes, consolidando uma identidade ancestral que urge salvaguardar naquela que é uma das maiores montras culturais de usos e costumes, em continuidade no Ribatejo desde a década de 40 do século passado. Nos trilhos do tempo entrelaçam-se a charneca do montado de sobro e a lezíria verdejante dos campos do Ribatejo. Em Coruche cruzam-se territórios e gentes que vieram de longe para desbravar a terra e que, com arte e engenho, fizeram deste um território único e rico que se consubstanciou enquanto maior produtor de cortiça do País. Além da riqueza florestal dos extensos montados de sobro, salienta-se a riqueza agrícola, propiciada pela abundância de água e pelo rio Sorraia, as culturas do arroz, o vinho, o azeite e o milho, que tornaram Coruche o celeiro do País, e a pecuária – gado suíno, ovino, cavalar e ganadarias de gado bravo que constituíam e constituem outra importante fonte de rendimento.

E é com orgulho que, dado o mote “Terra de Montado, Cortiça, Lenha e Carvão”, Santana do Mato desfila, dedicando-se à caracterização da atividade da tiragem da cortiça, que abarca a pintura dos sobreiros e a molheira, o transporte da cortiça em carroças, do campo para a pilha, mas também a cocaria, a adiafa ou a falca e os fornos de carvão. Com um vasto território de charneca e a predominância do montado de sobro, a freguesia de Santana do Mato destaca-se, desde há muito, pela tiragem da cortiça, cuja atividade sazonal se inicia no final de maio e termina em meados de agosto, mas também pelas figuras do guarda da pilha ou das aguadeiras, que assumiam ainda a função de molheiras ou ajuntadeiras.

“Água Fonte de Vida! Entre a Ribeira, Fontes e Nascentes” é o tema desenvolvido pela representação da freguesia de Erra, cujas fontes públicas, o pego da Barrambana e a ribeira da Erra são lugares de memória coletiva de muitas gerações, desde logo pela evocação das emblemáticas fontes: a da Praça e a da Barrambana, ambas já desaparecidas; a dos Frades, historicamente associada ao já desaparecido convento de frades franciscanos do século XVI, e a do Retiro da Erra, também popularmente conhecida como a fonte do Custódio (Vieira). É, aliás, através da Fonte do Retiro da Erra que damos conta de uma antiga tradição que tem lugar por alturas do São João: o costume de enfeitar as fontes com flores dos quintais e de dedicar-lhes quadras populares. Também a ação das mulheres, que iam às fontes encher as cantarinhas e os potes, carregando-os para casa muitas vezes em burros, com albardas ou cangalhas, é aqui refletida.

Já a freguesia de Lamarosa dedica-se à representação da “Cultura de Sequeiro, Moagem e Pão”, que muito se deve à prática das arroteias ou desmoitadas, realizadas durante o inverno, quando se procedia ao arranque dos matos das charnecas para posterior cultivo. Inverno volvido, iniciava-se a preparação das terras para que as sementeiras fossem geralmente realizadas em inícios de março. As sementes eram lançadas à terra, de sementeira ao ombro e semeadas a granel, ou semeadas a rego, com recurso à força animal. Daí as referências ao carro de bois, à descamisada do milho na eira, à moagem e ao forno de pão, recordando que de fins de julho por diante chegavam às eiras as carroças carregadas de maçarocas, sendo aos serões das noites quentes de verão que o milho era descamisado em família e em comunidade, contando-se histórias, cantando-se à desgarrada e dançando-se. Não menos importante, refira-se que é da Lamarosa que vem o pão do cortejo.

As “Figueiras da Nossa Terra” são o ponto de partida para a representação da freguesia de Branca, reconhecendo a figueira e o figo como um importante recurso na alimentação e no rendimento das famílias, até porque da forma de tratar e conservar o figo se garantia o sustento das casas. As caldeiras das figueiras eram limpas e preparadas para os figos que iam caindo, mas os primeiros eram dados aos porcos. Os que ficavam na árvore iam sendo apanhados em estando maduros e colocados em tabuleiros de madeira. Em tempos difíceis e de escassez, pão com figos era uma refeição. Fazia-se também doce e aguardente de figo. Assim, a apanha e a secagem do figo, bem como o transporte para armazém junto à estação de comboios de Coruche, com vista ao fabrico de álcool etílico em Torres Novas, são retratados fielmente, não esquecendo a carroça carregada com sacas de figos, puxada a mula ou cavalo.

O tema “Couço à Mesa – Património Gastronómico” fala por si, traduzindo a gastronomia típica da freguesia do Couço: o serrado ou horta, o celeiro, o fumeiro e a cozinha em lume de chão. A horta, tradicionalmente designada “serrado” na aldeia de Santa Justa, era cultivada em talhões e disponibilizada ao povo pelo proprietário para que, face à eventual escassez de alimentos, as pessoas tivessem forma de cultivar para obter sustento. Ali se cultivava pimentão, abóbora, alho, cebola, feijão frade, feijão de comer em seco, milho, milho painço, couve “braba”, tomate e ervas aromáticas como a hortelã. São também retratadas as cabanas, ou barracas, habitualmente feitas de paus, canas e carqueja, onde os produtos eram acondicionados após a colheita, e o processo de preparação da carne, da enchença ao fumeiro.

A comitiva da freguesia da Fajarda desfila à luz da temática “Partidas e Chegadas entre Culturas”, lembrando que era à estação da Agolada que na primavera e no verão chegavam os ranchos vindos do Norte, os “barrões” (de Cantanhede, da Carapinheira, de Pombal e até da região de Tomar), para os trabalhos do arroz. O cortejo relembra a seara do arroz em carro de bois, a azeitonada na região de Pernes/Alcanhões e a adiafa entre culturas, destacando as partidas e chegadas na Estação da Agolada, cujo apeadeiro representou, desde 1904, a grande oportunidade dos habitantes da Fajarda de terem acesso ao mais moderno e eficiente meio de transporte da época, deslocando-se a Lisboa, Santarém ou outras localidades. A estação foi também, durante décadas, o ponto de partida e de chegada dos “rapazes” que iam para a tropa e dos ranchos que no verão iam para as mondas do arroz no Vale do Sado, bem como no outono para a apanha da azeitona nos arredores de Santarém.

Do Biscainho, sob o lema “Oh, Terra Brava! Terra de Touros e Cavalos! Oh, Terra de Gente! Cavaleiros, Campinos e Campinas!” vem o testemunho da tradição tauromáquica que caracteriza a freguesia e o Concelho: os toiros e os cavalos, mas também os homens – aqueles que fazem do campo a sua casa, os campinos do Ribatejo, mestres no trato e no hábil maneio dos animais. O toiro, com o maioral dos toiros por perto, abre o desfile destacando as ganadarias do vale do Sorraia. O imponente boi da guia conduzido pelos campinos segue logo atrás. A figura do cavalo, acompanhada do maioral das éguas, traz consigo a representação das coudelarias e dos centros equestres locais. Cavaleiros em traje de trabalho encerram a cena e antecipam o que vem a seguir: o campino coruchense, num tributo à memória do campino Domingos António.

Por fim, a Vila marcha fiel ao tema “Coruche, entre Ruas, Bairros e Foros – Oh, Gente de Força de Viver!” Na Vila antecipa-se a festa desde casa com a preparação de oferendas a Nossa Senhora do Castelo, mas também com os seus bordados tradicionais, a lavagem das roupas no rio, os avieiros e a pesca. Engalanada para receber a procissão e a festa, a vila de Coruche enaltece a fé e a devoção a Nossa Senhora do Castelo com a representação da bênção dos campos, de famílias, casas, animais e fábricas, retratando todos os preparativos da comunidade para viver em pleno as festas de Coruche.

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