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Visita guiada no dia dos centros históricos e do 509.º aniversário do foral manuelino

No dia 28 de março de 2022 o Município comemora duas datas de dimensão histórica: o Dia Nacional dos Centros Históricos e, muito particularmente, os 509 anos do foral manuelino de Coruche (28 de março de 1513), que reformou o foral dado a Coruche por D. Afonso Henriques em 1182, mantendo o essencial do texto e os princípios originalmente estabelecidos, mas pondo termo a muitos particularismos locais num processo de uniformização do reino, levado a cabo por D. Manuel I. A este propósito, e porque o Município de Coruche integra a Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico (APMCH), a Câmara, o Museu Municipal de Coruche e a APMCH promovem uma visita guiada à Vila com ponto de encontro no Largo de Santo António às 15 horas de 28 de março, segunda-feira. As inscrições formalizam-se através do e-mail Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. e estão limitadas a 20 pessoas.

 

Foi há 839 anos, a 26 de maio de 1182, que D. Afonso Henriques outorgou aos habitantes de Coruche aquele que viria a ser o documento escrito mais importante da Vila durante os séculos seguintes: a primeira carta de foral de Coruche - documento que visou a reconstrução de Coruche a partir do modelo do foral de Évora, mais adequado a um território de fronteira, uma vez que assegurava a sobrevivência de um grupo social vocacionado para a defesa já antes de 1182, sendo que Coruche tinha uma posição-chave entre as cidades de Évora e Santarém.

O foral afonsino foi efetivamente um documento jurídico de especial relevância para a Vila, estabelecendo as principais normas de relacionamento entre os habitantes e entre estes e o rei, mas, em 1513, D. Manuel I mandou reformar os forais do reino, atribuindo um novo foral à vila de Coruche. O monarca delineou, então, uma estratégia de recolha de todos os forais, escrituras e tombos dos povoados, seguida de averiguações e inquirições. Foram ouvidos senhores e foreiros, esclarecidas dúvidas e emanados pareceres no sentido de estabelecer um vasto programa de reformas que visavam modernizar o reino e, simultaneamente, reforçar e centralizar o poder régio.

Assim, no reinado de D. Manuel I tiveram lugar importantes alterações, sentidas a nível local. Os novos forais, que entraram em vigor em inícios do século XVI, atualizavam os encargos tributários, expressos em moeda vigente, e anulavam muitos dos aspetos de que se revestia a autonomia e a especificidade dos concelhos. O reino uniformizou-se e os municípios perderam força política. Não obstante, a leitura do foral dá-nos uma ideia do quotidiano que então se vivia em Coruche. Além das referências a produtos alimentares, variados e muitos deles provenientes de outros lugares, nomeiam-se os instrumentos usados para as mais variadas funções, alguns dos quais ainda fazem parte do quotidiano coruchense.

De acordo com texto do Professor Fernando Branco Correia, publicado na obra "O Homem e o Trabalho - a magia da mão" (CMC/Museu Municipal de Coruche – 2003), não faltam referências no foral manuelino a matérias-primas usadas na manutenção das embarcações, a roupas, artigos de calçado e materiais de construção. Até a escravatura faz registo despudorado, uma vez que se tratava de uma atividade considerada banal. Apesar da escassa densidade populacional de Coruche, constata-se que a agricultura e a criação de gado eram fundamentais, produzindo acumulação de riqueza, alimentando a população e fornecendo matéria-prima. Através do foral obtemos ainda informação riquíssima acerca da gestão dos campos de Coruche, somando-se menções a matos e a terrenos, mas também animais.

Sabe-se assim da chegada a Coruche de gado roubado em terras de Castela - gado que deveria entrar pelas terras de Campo Maior e Elvas. Sabe-se também que os senhores das herdades coutadas punham o seu gado a pastar em terras não coutadas, mas que não deixavam entrar nas suas coutadas outros gados. A referência a bovinos é, aliás, muito frequente. Sabemos ainda que o território estava repleto de grandes herdades. No campo, a Ordem de Avis tinha posição de destaque, controlando hectares das melhores terras (Várzea Grande e Várzea Meã, por exemplo) logo desde o século XIII.

O Concelho já então era rico em madeira. Além de pinheiros, constata-se que, não muito longe do Castelo, havia madeira de freixo que era procurada por vizinhos do concelho de Salvaterra de Magos. Em meados do século XV há até referências a um Gil Anes, carpinteiro que cortava madeira de forma irregular, razão pela qual foi coimado. São ainda múltiplas as menções ao aproveitamento da “casca” das árvores, especificamente de “sobreiros e sobreiras”. De facto, é conclusiva a importância da cortiça já à época, de tal modo que, no século XV, D. Afonso V concedera a Martim Leme o monopólio da exportação da cortiça extraída em Coruche pelo valor de duas mil dobras de ouro.

Coruche do século XV era, certamente, bem diferente de Coruche mil anos antes. Hoje permanecem, no entanto, gestos, crenças, tradições e modos de vida, mantendo-se a estreita ligação às águas do Sorraia. A leitura do foral manuelino permite-nos viajar ao quotidiano de Coruche nos séculos XV e XVI. O que Coruche é hoje como comunidade explica-se em parte no seu conteúdo. É também essa a viagem que se propõe na visita guiada pelo centro histórico de Coruche, que tem partida marcada do Largo de Santo António pelas 15 horas do próximo dia 28 de março. Conhecer aspetos destes textos fundacionais, em especial se transmitidos in loco, leva-nos a perceber como aqui chegámos e porquê, ajudando-nos a compreender o presente e a preparar o futuro.

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